sábado, 5 de janeiro de 2013

VIAGEM FANTASTICA



A VIAGEM FANTASTICA

O sonho de conhecer o mar estava mais perto de se tornar realidade. Tudo começou com um inusitado convite, minha irmã e o marido já tinham comentado sobre a vontade que tinham de fazer uma viagem e na empolgação do momento resolveram incluir toda a família nesse programa. Ela, o marido, 02 filhos, a sogra, meu pai, minha mãe, meus 02 irmãos e minha irmã mais nova e eu, claro (ufa!) ao todo 11 pessoas numa Kombi (será que cabe todo mundo!). À época estava  em plena adolescência e muitos, muitos sonhos.

O plano era aproveitar o período de férias escolares, para sair de Anápolis e ir conhecer o mar de Guarapari, passando ainda por Ouro Preto, Belo Horizonte e outras cidades. Era aventura demais para adolescentes que nunca tinham saído de Goiás. A falta de dinheiro era o menor dos problemas, já que desde que eu me lembre, lá em casa, sempre estivemos com orçamento curto. A expectativa era tão grande que dormir ficou em segundo plano. Simplesmente ninguém conseguia conciliar o sono, ficávamos imaginando a estrada, as cidades, e o melhor de tudo, o mar. Já sabíamos que era salgado (minha irmã havia comentado), de um azul indescritível, com muitas ondas para pular, pura diversão.   

Numa reunião ficou acertado que iríamos fazer roupas de praia (maiô, chapéus, bermudas, camisetas, saídas de praia), não tínhamos idéia do que usar, mas mesmo assim minha mãe e minha irmã se esmeraram na confecção das peças. Que claro ficaram ridículas, mas só descobrimos isso quando chegamos lá.

Ah! Preparar a comida para levar foi um capítulo a parte, tudo planejado para gastar o mínimo possível, incluía levar farofa de frango (coisa de mineiro), carne de porco na banha, pães, bolachas, mantimentos para preparar as refeições no meio do caminho. Outra preocupação foi a confecção de uma barraca (novamente a falta de dinheiro). O meu pai improvisou uma grande lona preta sobre armações de ferro, tudo muito amador.

No dia da viagem, é claro, ninguém dormiu. O combinado era sair de madrugada para aproveitar o trânsito mais tranquilo e a temperatura mais amena (outra mania de mineiro). Às três horas da madrugada, já estávamos todos a postos, aguardando a Kombi chegar, o que não tardou a acontecer. Havia uma alegria, um burburinho, não conseguíamos parar de falar, tamanha era a expectativa.

E assim, começou o que seria a nossa grande aventura. Onze pessoas num carro não muito confortável para uma viagem de dois dias rumo ao Oceano Atlântico. Embora ansiássemos em ficar acordados para não perder nada do roteiro, o sono era mais forte, e não teve jeito, o cansaço nos venceu por completo e só acordamos lá pelas 11 horas, com minha mãe preparando o almoço e fazendo um cafezinho para o meu cunhado. Estávamos parados a beira da estrada sob uma imensa árvore, com um fogareirinho a gás, um cheiro gostoso de café, e uma imensa vontade de chegar logo ao destino. 

Sentados ali, saboreamos a famosa farofa de frango, tomamos um suco e retornamos a viagem. Infelizmente, tivemos uma surpresa desagradável, uma infecção intestinal nos surpreendeu algumas horas depois. Todos ao mesmo instante começamos a sentir dores abdominais, exceto as crianças, que tomaram só leite e minha mãe que preferiu comer apenas um pãozinho (um caso de amor eterno, mamãe adora pão). Aí, não teve jeito era preciso parar de meia em meia hora para sairmos correndo para ir ao banheiro, nem sempre dava tempo de ir a algum posto de gasolina, era preciso utilizar o primeiro matagal que aparecesse. Ficamos assim o dia inteiro, tomando bastante água e rezando para melhorar as dores estomacais.

Na realidade, o que deveria ser uma tragédia, serviu apenas de piada e ficávamos rindo com os pedidos a todo instante implorando: Pára, pára, pára, por favor. Nessa confusão, conseguimos, à noite, vislumbrar as luzes de Belo Horizonte cruzando o nosso caminho. Mas conhecer a cidade ficaria para a volta, fomos em frente, para procurar um local que pudéssemos parar, preparar o jantar e dormir um pouco. Meu cunhado então decidiu estacionar o veículo embaixo de um grande bambuzal, com a linda visão da cidade lá embaixo.

Dormir era outra aventura. Como acomodar 11 pessoas numa Kombi, mesmo com muita força de vontade não dava. Meu pai foi, então, improvisar um puxadinho com uma lona para os que não tinham onde se encostar. No chão apenas uma esteira de bambu como colchão, e assim tentar descansar um pouco. Infelizmente, naquela altura, o problema estomacal persistia e alguém, que aqui não cabe tentar descobrir quem foi, conseguiu sujar a tal da esteira e ficou impossível dormir ali. Mas uma vez, foi uma risada geral. Não adiantava ficar mal humorado o jeito era rir de tanta desgraça.

Na manhã seguinte, o sol veio nos acordar cedo, aos que tinham conseguido dormir, claro. Ele entrava sem cerimônia no veículo, nos lembrando que era hora de recomeçar a viagem. Café feito, retornamos a estrada. Logo, vislumbramos a cidade de Ouro Preto. Paramos e fomos conhecer as igrejas, as estátuas de Aleijadinho, corríamos como crianças pelas ladeiras (preciso voltar lá e refazer esse caminho para viver de novo tanta emoção). Seguimos em frente, passando por Mariana, Sabará. E não sei se foi proposital ou se erramos o caminho, fomos parar em Cachoeiro do Itapemirim, a terra do Rei Roberto Carlos. Ao saber disso ficamos deslumbrados e imaginando se íamos encontrar o Rei por lá.

A cerca de 100 quilômetros de Guarapari, minha irmã nos alertava: “’Sintam o cheirinho do mar’’, e apesar da boa vontade não conseguíamos sentir nada, mas mentíamos, “é mesmo’’. A tarde veio nos encontrar entrando em Guarapari, e com a minha irmã insistindo no tal do cheirinho do mar. É claro, como todo bom mineiro, assim que vimos o mar, colocamos um short e fomos correndo encontrá-lo. Foi tanta emoção (canção do Rei), tanta alegria que todos parecíamos crianças na noite de Natal.

Passado o deslumbramento, era hora de voltar à realidade. A próxima tarefa seria montar a barraca (com vista para o mar, claro), o que exigiu muito esforço, e a noite chegou antes que pudéssemos terminá-la. Mamãe preparou um macarrão, que estava delicioso (tamanha era a fome), brincar no mar dá uma fome. Saboreamos o jantar e fomos nos preparar para dormir, porque o dia seguinte ia ser longo. Fomos nos acomodando no que dava (não tinha colchão), umas esteiras de vime e uma bóia de caminhão para encostar a cabeça, como se fosse travesseiro.

Não esperávamos, mas, na madrugada, uma forte chuva quase destruiu a barraca por completo, nos deixando quase ao relento e todos encharcados. Com gritos de “salve quem puder”, meu pai nos acordou e ficamos, assim, segurando as pontas da lona, tamanha era a ventania. Apesar de tanto contratempo, mantivemos, ainda, o bom humor, porque afinal de contas estávamos realizando um sonho. De manhã, meu pai e meus irmãos improvisaram uma barraca com um pedaço do tronco de uma árvore e aí, sim, fomos todos conhecer definitivamente o mar. Estava ele ali, de um azul imenso, indescritível, e nada poderia estragar esse momento.       

A bóia de caminhão então teve a sua utilidade, apesar de meio tímidos, fomos relaxando e aproveitando para brincar a tarde toda. O dia seguinte foi outra história, como não tínhamos protetor solar, passamos o que se usa no interior: óleo Johnson com urucum, o que não protege nada, apenas nos fez fritar ao sol. Ficamos tão avermelhados, que a noite não conseguíamos dormir, tudo doía. No dia seguinte, a solução foi usar Hipoglós em todo o corpo e ficamos assim parecidos com palhaços brancos o dia inteiro.

A falta de experiência nos fez penar um bocado, mas nada arrefecia o nosso ânimo. Acho que todos os novatos passam por isso. E assim, ficamos uma semana inteira passeando, nadando e comendo macarrão da mamãe (tudo de bom!). Às vezes um pão com salame, um peixinho frito. Algumas brigas foram inevitáveis já que o grupo era muito heterogêneo. Meu pai era o mais beligerante, e se tomasse umas pinguinhas então, ficava intragável.  Mas tudo no final foi contornado.

Terminada a semana era hora de voltar. Nada de dor de barriga, ainda bem. Só a pele toda descascada e com bolhas. Fomos a Belo Horizonte então, visitar um amigo do meu cunhado, que cidade grande, fomos ao Mineirão, a Pampulha, parecia tudo mágico. Fomos convidados para o casamento desse amigo e tivemos que improvisar roupas, já que fomos despreparados para esse evento. A cerimônia foi muito simples, mas o bolo estava uma delícia e pela primeira vez tomamos champanhe.

Enfim, o sonho acabou. No domingo retornamos a Anápolis e essa viagem foi assunto para muitas e muitas reuniões familiares. Sempre que viajava com meus filhos, eles pediam para falar sobre essa viagem, que no imaginário deles foi uma grande aventura, coisa de cinema. E assim, resolvi relatá-la aqui, para fazer um registro de nossas memórias.